Regionalização, um ponto de virada histórica para a Igreja Metodista Unida em África

Regionalização
Regionalização

Em novembro de 2025, a Igreja Metodista Unida deu um passo histórico com a ratificação da regionalização, um conjunto de emendas constitucionais que redesenha fundamentalmente a governança desta denominação global.

Eleitores Metodistas Unidos de quatro continentes ratificaram uma grande reestruturação que visa dar às diferentes regiões geográficas da denominação igual poder de tomada de decisão.

O Conselho dos Bispos anunciou a 5 de novembro a ratificação da reestruturação — conhecida como "Regionalização Global" — juntamente com três outras emendas à constituição da denominação.

"A ratificação e a certificação destas emendas constitucionais são um marco histórico na renovação e unidade contínuas da Igreja Metodista Unida", Tracy S. Malone, presidente do Conselho de Bispos, disse num comunicado à imprensa. A bispa Tracy Malone lidera a Conferência de Indiana.

Para África, tal  transformação institucional representa muito mais do que uma simples reorganização administrativa: incorpora um reconhecimento há muito esperado da autonomia do continente, maturidade eclesial e capacidade de definir as suas próprias acções  missionárias e pastorais. Com uma percentagem elevada de  votos a favor da ratificação ( 91,6%),  nas conferências anuais em todo o mundo, a regionalização abre caminhos para "a africanização do Metodismo Unido", como descreve o bispo Mande Muyombo,  permitindo que as igrejas africanas contextualizem o  seu ministério de acordo as suas realidades locais, mantendo a unidade doutrinária com a conexão global. O bispo Mande Muyombo lidera a conferência do norte de Katanga e a região episcopal da Tanzânia.

Entendendo a Regionalização: Uma Arquitetura Institucional Renovada

A regionalização transforma a arquitetura organizacional da Igreja Metodista Unida, criando nove conferências regionais com poderes legislativos iguais: uma nos Estados Unidos e oito nas Conferências Regionais da África, Europa e Filipinas. Esta reforma constitucional - adotada por 78% dos delegados na Conferência Geral de 2024 e depois ratificada por 34.148 votos a 3.124 nas conferências anuais - visa "descentralizar" a influência americana nas decisões globais da igreja.

Em termos concretos, o novo sistema estabelece uma clara distinção entre as partes do Livro de Disciplina que se aplicam a toda a denominação e aquelas que podem ser adaptadas regionalmente. As partes I a VI do Livro de Disciplina contêm elementos doutrinais e conexões essenciais, que só podem ser modificados pela Conferência Geral, enquanto a nova parte VII reúne aspectos organizacionais e administrativos que cada conferência regional pode adaptar às suas necessidades missionárias e contextos legais. Essa estrutura permite que as regiões africanas desenvolvam os seus próprios livros regionais de disciplina, hinários, recursos litúrgicos, padrões de ordenação e práticas de casamento de acordo as leis e culturas de cada país.

O processo da regionalização não estará totalmente operacional até depois da Conferência Geral de 2028 quando a nova secção do Livro de Disciplina for  apresentada e adotada. Até lá, o período de transição permite que as conferências regionais preparem as suas adaptações, com o apoio da Comissão Permanente para os Assuntos das Conferências Regionais (anteriormente Comissão da Conferência Central). Esta Comissão trabalha em colaboração com a mesa conexional, o Comissão de Fé e Ordem e a Comissão de Ministério para identificar precisamente que elementos do Livro de Disciplina são essenciais numa escala global e que elementos podem ser adaptados localmente.

Autonomia Recuperada: O que a Regionalização Significa para  África

Para as Conferências Africanas, a regionalização representa o culminar de uma longa aspiração por autonomia e reconhecimento de igualdade dentro da conexão global. O Bispo Gaspar João Domingos, da Conferência Annual do Oeste de Angola, expressa eloquentemente esta visão: "Não precisamos levar as nossas questões culturais para a Conferência Geral. O mesmo serve para a América, que não precisa submeter as suas questões locais para consideração de outros continentes." Essa perspectiva destaca o desejo de África de concentrar-se na sua missão principal - fazer discípulos, crescimento da igreja e evangelismo - em vez de dedicar tempo e energia debatendo questões que não pertencem diretamente ao seu contexto.

O bispo Mande Muyombo, presidente do Colégio dos Bispos Africanos, enfatiza que a regionalização permite que as regiões africanas "tomem decisões adaptadas às suas necessidades contextuais e missionárias, o que promove o crescimento da igreja". Ele cita o Bispo Daniel Lunge, do Congo Central, que fala da "Africanização do Metodismo Unido", uma visão que ressoa profundamente em todo o continente. Essa africanização não significa uma ruptura com a tradição metodista, mas sim uma apropriação autêntica dentro das realidades africanas.

Os benefícios práticos da regionalização já são visíveis em várias áreas. O Bispo Muyombo cita a possibilidade de adaptar certas partes do Livro de Disciplina como um aspecto que já está operacional e "aumenta a eficácia da missão e dos ministérios em África". A incorporação de práticas culturais africanas no culto é outro benefício celebrado. Na Área Episcopal do Norte de Katanga-Tanzânia, por exemplo, a igreja continua usando o processo de duas ordenações e tem desenvolvido estratégias para gerar contribuições financeiras locais por meio de projetos geradores de renda. Estas iniciativas ilustram como a regionalização permite uma gestão mais criativa e contextualizada da liderança e dos recursos.

Respondendo às Realidades Socioeconômicas Africanas: Missão e Desenvolvimento

Um dos aspectos mais promissores da regionalização para a África diz respeito à sua capacidade de fortalecer a resposta da igreja às realidades socioeconômicas prementes do continente. O bispo Muyombo afirma que a regionalização "nos dá a oportunidade de nos concentrarmos nas nossas prioridades missionárias, que são a erradicação da pobreza, a prestação de cuidados de saúde, o desenvolvimento comunitário e a promoção da paz e da justiça para o nosso povo".

Este foco nas necessidades locais traduz-se em maior flexibilidade na adaptação das práticas da igreja aos contextos econômicos, culturais e sociais de cada região. Na República Democrática do Congo, por exemplo, conferências como a Conferência do Norte de Katanga pretende adaptar as práticas da igreja às realidades locais, particularmente na luta contra a pobreza e  doenças, que são questões de grande preocupação para as igrejas locais. Na Libéria e em Moçambique, as realidades linguísticas e culturais das áreas rurais exigem recursos litúrgicos adaptados - como livros de adoração e hinos em línguas locais - que a regionalização torna possível.

O Bispo aposentado Eben K. Nhiwatiwa, do Zimbabwe, olha para a regionalização como uma forma de contextualização já em prática, permitindo que a igreja cumpra as leis locais e responda melhor às necessidades missionárias específicas. Esta perspectiva, enfatiza que a regionalização não é uma inovação radical, mas sim a formalização e extensão de práticas contextuais que sempre existiram nas Conferências Centrais.

Na África Oriental, o bispo Daniel Wandabula enfatizou na sessão conferencial  do Quênia-Etiópia de 2024 que a regionalização ofereceria “mais poder e liberdade, permitindo que os ministérios envolvessem as pessoas em seus contextos culturais únicos”. Esta liberdade de engajamento cultural é crucial num continente caracterizado por imensa diversidade étnica, linguística e social. Isso permitirá que a igreja desenvolva abordagens missionárias que respeitam e valorizam as identidades locais enquanto proclamam o evangelho universal.

Governança Compartilhada e Redistribuição do Poder Eclesiástico

A regionalização marca um ponto de virada na distribuição de poder dentro da Igreja Metodista Unida em todo o mundo. Historicamente, as Conferências Centrais - originalmente estabelecidas como áreas de missão - ocupavam uma posição subordinada aos Estados Unidos, o local de nascimento da denominação. A regionalização corrige esse desequilíbrio estrutural, concedendo a todas as regiões, incluindo os Estados Unidos, o mesmo status e poderes de adaptação.

Esta igualdade institucional representa uma descolonização simbólica e prática da governança da igreja. Como diz o bispo Gaspar João Domingos, "manter o estado atual da igreja é uma forma de colonização onde as ideias vêm de um único ponto, que age como o irmão mais velho que resolverá todos os nossos problemas". A regionalização põe fim a este modelo paternalista, reconhecendo que cada região tem sabedoria, maturidade e capacidade para tomar as suas próprias decisões em relação à organização e administração da igreja.

Estruturas de liderança em áreas episcopais africanas já ilustram esta criatividade organizacional. O bispo Muyombo afirma que em áreas episcopais com várias conferências anuais, "encontramos maneiras criativas de compartilhar a liderança, como criar a posição de representantes legais de bispos que são designados para os seguintes portfólios: vida e missão da igreja, saúde e desenvolvimento, educação e treinamento de liderança". Estas inovações demonstram que as conferências africanas não estão esperando pela regionalização para experimentar novas formas de governança que são mais adequadas às suas realidades.

A voz africana na governança global da igreja também é fortalecida pela regionalização. Na Conferência Geral de 2024, os delegados africanos representaram 32% dos 862 delegados votantes, constituindo a segunda maior delegação depois dos Estados Unidos. Com a regionalização, essas vozes africanas não são mais marginalizadas ou silenciadas em debates sobre questões que dizem respeito apenas a uma região específica, permitindo que a Conferência Geral se concentre em questões verdadeiramente globais sobre a  doutrina, crescimento da igreja e evangelismo.

Desafios, Resistência e Desinformação

Apesar do apoio esmagador dos bispos africanos e de uma grande maioria dos delegados, a regionalização enfrentou desafios significativos, incluindo desinformação e resistência organizada. O bispo Muyombo reconhece que "enfrentamos uma séria desinformação em torno do conceito de regionalização vindo de fora de África".

Esta desinformação foi amplamente orquestrada pela “Iniciativa de África”, um grupo tradicionalista alinhado a Associação do Pacto Wesleyano e a Igreja Metodista Global. Estes grupos espalharam informações falsas de que a Igreja Metodista Unida havia se tornado numa "igreja gay" após a remoção da discriminação oficial contra pessoas LGBTQ+, e que a regionalização foi uma estratégia usada para impor a aceitação da homossexualidade em África.

Estas campanhas de desinformação levaram a confrontos públicos às vezes violentos no Zimbabwe, Nigéria e Libéria. Bispos metodistas unidos foram agredidos fisicamente enquanto tentavam administrar as políticas da igreja. Na Libéria, o Pastor Jerry Kulah, coordenador da Iniciativa de África, foi suspenso do ministério ativo em dezembro de 2024 por promover a agenda da Igreja Metodista Global e minar a autoridade do Bispo Samuel J. Quire.

Em resposta a esta desinformação, grupos de apoio africanos se mobilizaram. O Fórum Metodista Unido de África (UMAF) e a Voz da Unidade de África surgiram como vozes poderosas a favor da unidade e regionalização da Igreja Metodista Unida. Gabriel Banga  Mususwa, secretário-geral do UMAF, emitiu uma declaração no início de dezembro de 2024 intitulada "Eles estão de volta, disfarçados de pele de carneiro", pedindo aos Metodistas Unidos Africanos que fossem cautelosos com falsas representações de apoiadores da Iniciativa de África.

O treinamento sobre comunicação e regionalização realizado em Dar es Salaam em outubro de 2024 reuniu mais de 80 comunicadores e líderes metodistas africanos para combater a desinformação e esclarecer as questões reais em jogo no processo da regionalização. O bispo Muyombo enfatizou a bíblica como base para a regionalização: "Ao longo da Bíblia, Deus reconheceu a diversidade de culturas e nações incluídas na diversidade do plano de redenção de Deus para a humanidade".

O Fundamento Teológico e os Valores da Regionalização

A regionalização não se baseia apenas em considerações pragmáticas ou administrativas; está enraizada numa profunda visão teológica da igreja como o corpo universal e contextualizado de Cristo. O Pacto de Natal - o documento fundador que inspirou a legislação sobre regionalização - articula princípios teológicos e valores extraídos das tradições africanas, europeias e filipinas.

Entre estes valores, o conceito africano de Ubuntu ocupa um lugar central. O Ubuntu incorpora uma visão da humanidade baseada na interdependência e na vida comunitária, reconhecendo que todos são criados à imagem de Deus e devem tratar os outros como desejam ser tratados. Como diz o arcebispo Desmond Tutu da África do Sul: "A profunda verdade é que você não pode ser humano sozinho... Você é humano porque participa de um relacionamento. Diz que uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas."

Esta filosofia do Ubuntu ressoa com a teologia da conexão metodista que valoriza as relações mútuas e a interdependência na missão. Apoia a ideia de que a unidade da igreja não requer uniformidade, mas sim o reconhecimento e a celebração da diversidade como uma expressão da criatividade divina.

O Pacto de Natal também afirma princípios de respeito às configurações contextuais do ministério, relações de conexão enraizadas na missão e igualdade legislativa para os órgãos da igreja regional. Deplora "apelos para dissolver ou desmembrar a Igreja Metodista Unida, liquidar seus ativos e distribuí-los ao maior licitante", insistindo que tais planos são "destrutivos para  o corpo de Cristo".

A regionalização é, portanto, parte de uma visão teológica que afirma que o Evangelho universal deve ser proclamado e vivido em diferentes contextos, que a graça de Deus está presente em todos os lugares e em todas as pessoas, e que somos chamados a responder humildemente a essa graça, reconhecendo suas muitas expressões em todo o mundo.

Perspectivas: Construindo uma Igreja mais Contextual e Sustentável

À medida que a regionalização entra em sua fase de implementação, os líderes africanos expressam entusiasmo e consciência dos desafios futuros. O bispo Muyombo enfatiza que "esta mudança de paradigma requer treinamento significativo, bem como uma profunda reflexão teológica e eclesiológica". O treinamento contínuo será essencial para ajudar as  conferências anuais, distritos e igrejas locais a entenderem e abraçarem as novas estruturas de governança.

Bispos africanos que se reuniram em Luanda em setembro de 2025 reafirmaram o "compromisso inabalável com a unidade da Igreja Metodista Unida" e sua convicção de que "a regionalização é um caminho fiel e estratégico a seguir". Em sua declaração, eles encorajaram as Conferências Centrais a adaptarem partes do Livro de Disciplina para melhor servir os seus contextos, mantendo a unidade doutrinária.

Esse duplo requisito - unidade doutrinária e diversidade contextual - define o delicado equilíbrio que a regionalização busca alcançar. Como diz o Bispo Muyombo: "Devemos continuar a servir alegremente ao nosso povo,  aonde quer que eles estiverem, amar ousadamente os nossos irmãos e irmãs Metodistas Unidos em todo o mundo e liderar corajosamente defendendo a paz, a justiça e o desenvolvimento nos nossos respectivos países do continente africano". Q-R-Bispo-Mande.docx

A regionalização também abre oportunidades para uma maior sustentabilidade financeira para as conferências africanas. Ao permitir o desenvolvimento de projetos geradores de renda adaptados aos contextos locais, como os já em vigor no norte de Katanga-Tanzânia, a regionalização pode ajudar a reduzir a dependência financeira de países estrangeiros e fortalecer a autonomia econômica da igreja em África.Q-R-Bishop-Mande.docx

A eleição de novos bispos comprometidos com a unidade e a regionalização - como o bispo Ande Emmanuel na Nigéria e o bispo James Boye-Caulker na África Ocidental em dezembro de 2024 - demonstra a determinação das conferências africanas em continuarem neste caminho transformador. Durante as eleições, o Fórum Metodista Unido de África considerou as eleições como "exemplos inspiradores para outras Conferências Centrais em África"( Actualmente conferências regionais) e incentivou os delegados africanos a "priorizarem líderes que defendem consistentemente a mensagem de permanecerem unidos dentro da IMU".

Conclusão: Uma Igreja Global Verdadeiramente Conectada

A regionalização representa um momento marcante na história da Igreja Metodista Unida, particularmente para os seus membros africanos. Marca a transição de uma estrutura de igreja centralizada e às vezes colonial para um modelo de conexão mais equitativo que valoriza a diversidade, preservando a unidade.

Para  África, a regionalização significa o reconhecimento da sua maturidade eclesial, a sua capacidade de tomar decisões e a sua contribuição essencial para a missão global da IMU. Permite que as igrejas africanas desenvolvam ministérios autênticos e contextualizados que respondam às necessidades espirituais, sociais e econômicas de suas comunidades, mantendo-se fiéis à tradição Wesleyana.

Como afirma Benedita Penicela Nhambiu, de Moçambique, que esteve envolvida na promoção da legislação da regionalização em todas as etapas, "Celebramos esta ratificação histórica e bem-sucedida da regionalização global como uma poderosa afirmação da conexão metodista unida global. Com a regionalização, a Igreja Metodista Unida entra numa era de equidade, onde cada região é um parceiro empoderado."

A regionalização não é um fim em si mesma, mas o início de um novo capítulo no qual a Igreja Metodista Unida pode realmente se tornar o que aspira ser: uma igreja global que honra a diversidade cultural, fortalece as conexões mútuas e capacita cada contexto missionário para compartilhar o amor de Deus, fazer discípulos e transformar o mundo. Para  África, este novo capítulo promete ser rico em oportunidades para uma missão mais profunda, mais autêntica e mais frutífera.

Chadrack Tambwe Londe coordena conteúdo em francês em África para a United Methodist Communications e é correspondente da UM News. Chadrack está sediado no Congo.

United Methodist Communications is an agency of The United Methodist Church

©2025 United Methodist Communications. All Rights Reserved